sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Após decreto faraônico, Morsillini lança o projeto de Constituição

Morsillini tendo atitudes de seu antecessor.

Como mencionei no primeiro podcast do Internationale Actuelle, o presidente egípcio Mohamed Morsi ficou com muita moral após mediar o cessar-fogo entre Israel e o Hamas. Estes "bons ventos" o fizeram anunciar, logo depois, um decreto faraônico onde concentrava todos os poderes em suas mãos até que uma nova constituição fosse elaborada no país. Ademais, nenhuma de suas decisões precisaria passar por qualquer revisão judicial.

Mas com que intuito fez isso? Alguns colocam tal atitude como puro despotismo por parte dele e outros como jogada de poder da Irmandade Muçulmana. O mais provável é que ambos estejam corretos. No entanto, vamos analisar a ordem dos fatos: assim que Morsi foi eleito (realmente poucos dias depois) o Parlamento foi dissolvido pelo SCAF (Conselho Supremo das Forças Armadas) em virtude do descontentamento da população. Vale mencionar que o Partido da Liberdade e Justiça ( Irmandade Muçulmana ou Ikhwan), detinha a maioria dos assentos.

Vendo o poder do SCAF, Morsi resolveu tomar uma atitude e afastou a maioria dos generais de seu entorno. Este era apenas o primeiro passo para que ele e seu partido tomassem definitivamente o poder. Aos poucos os membros da Irmandade foram introduzidos nos principais ministérios, deixando os papeis coadjuvantes para cristãos (coptas), liberais e mulheres. Até aqui nenhuma surpresa.

O problema é que nas últimas semanas houve uma série de absolvições de ex-membros do governo Hosni Mubarak. Isso jogou a população contra o Conselho dos Magistrados e deu espaço para a Irmandade agir. Aproveitando-se do momento o presidente lançou o decreto visando proteger sua  nova Assembleia Constituinte- que também corria o risco de ser dissolvida pelo Supremo Tribunal Constituinte- e garantir que suas decisões não sofreriam quaisquer interferências de pessoas ligadas ao antigo regime.

Justificativa inteligente mas não correta. O professor Nathan Brown explica por que: "todos os membros da corte eram de fato nomeados pelo presidente. Mas a maioria foi indicada pelos próprios juízes e sua nomeação resultou em mera formalidade cumprida por Hosni Mubarak.

"O ex-chefe de justiça, Farouk Sultan, era de fato um 'fantoche' de Mubarak, mas ele teve apenas um voto e se aposentou no verão. Em seguida foi substituído por um presidente escolhido por juízes do tribunal".

Em suma, o tribunal, diferentemente de outros setores dos três poderes do atual Egito, não é composto por muçulmanos. Tal situação poderia se converter em uma pedra no sapato do presidente, haja vista que a dissolução da Assembleia Constituinte já era tratada como iminente. Recordam-se que no início mencionei uma possível jogada política de Ikhwan? Pois então, para Eric Trager, especialista na Irmandade Muçulmana o partido não tem nada de democrático e as esperanças externas alimentadas após a eleição de Morsi foram extremamente ingênuas.

"O partido não tem nada de democrático", afirmou Trager, "o próprio processo pelo qual o jovem se torna um irmão muçulmano é feito para 'descartar' os mais moderados. Os que prosseguem passam pela lavagem cerebral que consiste em memorizar trechos do Alcorão e textos de Hassan Al-Banna, fundador da entidade".

Tiger também recorda que a Irmandade não tolera pluralismos. Para aclarar esta afirmação ele menciona que, após a queda de Mubarak, os membros que não apoiaram a criação de um único partido foram expulsos. Inclusive Abouel Fotouh, que era o candidato favorito da entidade para a presidência, foi banido por discordar de algumas posições.

No projeto de Constituição que precisará passar ainda por um referendo popular, vemos com muita clareza as influências de Ikhwan. O segundo artigo diz o seguinte: "O Islã é a religião do Estado e seu idioma oficial é o árabe. Princípios da Sharía islâmica são a principal fonte da legislação". Saber que a Sharía inspira a Constituição egípcia não é a melhor das perspectivas.

Logicamente a vertente mais radical da lei islâmica não será aplicada no Egito como em outros países, mas o simples fato de a Sharía ser mencionada é mau sinal. Tentando amenizar a situação há outros artigos pregando a igualdade  absoluta entre homens e mulheres. Além disso, a liberdade religiosa é garantida. Vamos ver se isso funciona na prática. Os cristãos coptas já cansaram de ser perseguidos e acusados -em certa ocasião pela própria Irmandade Muçulmana- de inimigos do Islã.

Outro artigo que chamou a atenção foi o 31. Nele está escrito: "Insultar ou injuriar qualquer ser humano deve ser proibido". Analisando superficialmente parece normal. Mas a verdade é que este artigo pode ser utilizado para "neutralizar" aquele que garante liberdade de imprensa. Explico: se algum jornalista por acaso criticar o presidente, pode ser acusado de "insulto" (não importando as palavras que use), já que no artigo não há a especificação de como deve ser este "insulto".

É importante também mencionar o artigo 64. Por intermédio dele o governo garante sustentar as famílias daqueles que morreram na revolução que derrubou o ex-ditador Hosni Mubarak. Uma obrigação que, felizmente, foi colocada no papel.

Só saberemos de fato se esta será a nova Constituição do Egito após o referendo popular. Até lá veremos como o presidente-faraó Mohamed Morsi se comporta. Ademais, a coisa não deve ser tão fácil quanto parece. A oposição não vai deixar barato tanto acúmulo de poder nas mãos da Irmandade Muçulmana.

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