sábado, 27 de abril de 2013

Se não é a Irmandade, quem então persegue os coptas?

No passado dia 14 fiz uma análise sobre as raízes do sectarismo no Egito que veio a ser publicada também na "Coluna do leitor" no portal da Reaçonaria. Gostaria, inclusive, de agradecer aos que me deram espaço para publicar o texto. Hoje me deparei com o tweet de Alice Salles dizendo que havia um post em resposta ao meu.

O texto em questão é do jornalista José Antônio Lima, que trabalha na revista CartaCapital e cobriu parte dos protestos que culminaram na queda de Hosni Mubarak. A crítica de Lima foi  postada em seu blog "Oriente Médio em Foco".

Nos parágrafos iniciais Lima comenta o caso de Al-Khasous que usei para introduzir a questão da perseguição aos coptas e a fala de Dom Rafael. No entanto, ele dá a entender que generalizo a questão atribuindo a violência contra os cristãos a todos os muçulmanos. Se passei esta impressão, me retrato agora: não disse que todos os muçulmanos egípcios perseguem os coptas, mas afirmo que é uma quantia bastante considerável. Nunca é demais ressaltar que os cristãos atualmente são os que mais sofrem perseguição por causa de sua fé. Neste link segue uma lista de atentados contra os mais diversos grupos cristãos desde 2001.

Já que se faz necessário, vou citar apenas um absurdo caso e seus motivos ainda mais assustadores. Em 2011 os responsáveis pelo poder local de Edfu aprovaram a reforma da Igreja de São George, construída há quase um século durante a "Idade de Ouro Cristã". A Igreja apresentava, inclusive, riscos aos fiéis tendo em vista o estado da edificação. Foi só o projeto ser aprovado que começaram os protestos por parte dos muçulmanos. Dentre suas primeiras reivindicações estava a abolição de cruzes e sinos, porque elas "irritavam os muçulmanos e seus filhos". Em seguida foram mais além, dizendo que a cúpula da Igreja deveria ser demolida. Com a recusa do bispo, houve intensos protestos dos muçulmanos, que ameaçaram demolir a Igreja e construir uma mesquita em seu lugar. Como se não bastasse isso, os coptas foram proibidos de sair de suas casas até que a cúpula fosse removida.

O ápice do embate se deu em dezembro do mesmo ano quando 3 mil muçulmanos, após as orações de sexta na Igreja, incendiaram e demoliram a cúpula. Focos do incêndio se espalharam por casas próximas e ainda houve saques. Até mesmo o governador da vizinha Aswan concedeu uma entrevista a TV negando qualquer incêndio e dizendo "que os coptas cometeram um erro e foram punidos". Que erro seria esse? Provavelmente não ser muçulmano.

Para que tudo fique ainda mais claro, grandes intérpretes da Sharia -os ulemás- que servem de referência aos islamistas proferiram seus pareceres com respeito aos cristãos. Um deles foi Ibn Taymiyya, confirmando que "os ulemás das quatro escolas de Direito -Hanafi, Shafi'i, Maliki e Hanbali- concordaram que se o iman destrói todas as igrejas em terras tomadas pela força, como Egito, Sudão, Iraque, Síria...isso não seria injusto". Taymmiya acrescenta ainda que, se os cristãos resistirem, eles "perderão sua aliança, sua vida e seus bens". 

Mais casos podem ser encontrados no estudo "Death to Churches Under Islam: A Study of the Coptic Church", que conta as origens do sectarismo contra os coptas e cita inúmeras informações do famoso historiador muçulmano Taqi Al-Din Al-Maqrizi.

Ascensão da Irmandade e sua rede de contatos

Lima diz que atribuo apenas à Irmandade Muçulmana "um problema que é do Egito". Isso não é verdade, tanto que também citei as políticas de Gamal Abdel Nasser e Anwar Al-Sadat que foram, para dizer o mínimo, contraditórias. O que não se pode negar de forma alguma é a natureza fundamentalista da Irmandade que se engendrou, desde 1928 (ano de sua fundação como mencionei também em meu texto anterior) no seio da sociedade egípcia. Sempre é válido lembrar que foi Hassan Al-Banna quem disse: "o voto para as mulheres é a rebelião contra o Islã e a humanidade".

Dizer que o governo se mostra, "por enquanto, incompetente" para lidar com o problema dos coptas é um eufemismo. Há casos evidentes de incitação à violência contra os coptas por parte de membros da Irmandade Muçulmana. Atualizações a respeito podem ser conferidas no twitter do ativista político copta Dioscorus Boles. Vale a pena ler também a entrevista do Papa copta Tawadros II concedida a Reuters nesta semana.

Em se tratando das relações dos muçulmanos com a Alemanha Nazista, Lima me contraria dizendo que "meia palavra não basta". Pois bem. Passo a discorrer sobre o tema. Como já salientei, a Irmandade Muçulmana foi financiada com recursos vindos diretamente do regime Nazista. Mas por que este interesse nos fundamentalistas islâmicos? Usar a definição de "o inimigo do meu inimigo é meu amigo" vem a ser ainda mais simplista ao abordar este tema.

Não nego que certos princípios em comum nortearam as relações de afinidades entre nazistas e muçulmanos. Mas não foi apenas isso. Em seu livro "A Mosque in Munich", o jornalista Ian Johnson traz mais detalhes sobre a ascensão da Irmandade, os quais comentarei aqui. Vamos por partes. Johnson começa dizendo que a aliança muçulmano-Nazista teve seu início com a repressão dos primeiros por parte do regime soviético. De olho no petróleo do Cáucaso e no apoio da oprimida comunidade muçulmana, Hitler viu uma oportunidade de ser o "salvador" e ofereceu seu apoio. Os laços se intensificaram ainda mais graças ao anti-semitismo enraizado nas duas partes.

Algo que Lima faz com muita precisão em seu texto é citar Hajj Amin Al-Husseini, o grande mufti de Jerusalém. Ele foi conhecido por ser uma figura proeminente do movimento islamista radical, dando impulso a inúmeras revoltas e mantendo estreitos laços com nomes de alto prestígio junto a Adolf Hitler (relata-se Adolf Eichman e Heinrich Himmler). Husseini foi ainda o responsável pela criação da divisão Handzar dentro da SS, composta por muçulmanos da Iugoslávia.

Como bem lembrado por Lima, "muitos palestinos serviram no exército britânico e centenas de milhares de árabes do Império Francês lutaram pela libertação da França". Quanto aos palestinos, ainda consegui números: foram cerca de 6 mil os que lutaram pelo exército britânico. Ademais, cerca de 26 mil voluntários muçulmanos e judeus serviram lado a lado pelos aliados. Tais informações jamais podem ser dispensadas.

Mas, concomitantemente a isso, Husseini via crescer cada vez mais seu poder em todo o Oriente Médio. Só na Palestina ele exterminou 11 clãs que faziam oposição a suas políticas e não viam com maus olhos a chegada de judeus. Ademais, o grande mufti teve vasta influência sobre a Irmandade Muçulmana ainda em seus primeiros estágios.

É normal que, em meio a isso, se faça uma pergunta: se a Irmandade foi próxima do regime Nazista, porque nenhum governo ocidental tentou coibi-la ou incentivar outros movimentos? Este questionamento, inclusive, foi um dos primeiros a brotar em minha mente tão logo iniciei os estudos a respeito do tema. Para respondê-lo, volto a citar o livro de Johnson. 

Segundo o autor, o governo americano viu nos movimentos políticos islamistas uma oportunidade para conter o avanço do comunismo (que seria o passo prévio a derrubada). Em primeiro lugar os EUA trabalharam com imigrantes muçulmanos ex-nazistas não-russos com sede na Alemanha. Posteriormente, vendo o sucesso de tal empreendimento, os muçulmanos também estiveram presentes no segundo passo de combate ao comunismo, envolvendo operações secretas, guerra econômica, sabotagem e propaganda.

Johnson escreve que o ano de 1953 foi fundamental para a Irmandade Muçulmana, quando, antes de uma conferência em Princeton, os líderes do movimento pediram uma audiência com ninguém menos do que o presidente Eisenhower. Para que isso pudesse ocorrer, logicamente, os dois lados "apagaram" quaisquer envolvimentos do então líder da Irmandade, Tariq Ramadan, com Husseini e Al-Banna. A reunião entre ambos era mesmo urgente e, principalmente, inevitável, tendo em vista que, neste período, a União Soviética estava revendo suas políticas com relação os muçulmanos, financiados algun imãs a seu favor. 

Ramadan foi, neste contexto, a voz que os EUA precisavam para combater o avanço do comunismo no Oriente Médio. Se esta política deu certo para os americanos não podemos afirmar, mas para a Irmandade sim. Com o dinheiro angariado através de seu proselitismo, Ramadan conseguiu financiar a construção de mesquitas e criou uma extensa rede de controle para a Irmandade, incluindo uma revista com função de propaganda, uma organização estudantil e a Liga Muçulmana Mundial. Em outras palavras, a militância muçulmana tomou grande corpo também no Ocidente.

Mas então quer dizer que a Irmandade não mudou?

Sim. Mas foi uma mudança "para inglês (ou americano não é mesmo, senhor Obama?) ver". E deu certo. Tanto que os Estados Unidos continuam financiando a organização mesmo com seu caráter sectário. Lima adverte que há divergentes facções dentro da Irmandade e chama atenção ainda para o fato de que a facção dita "mais conservadora" assumiu o controle do grupo, "afastando os mais moderados das decisões".

Concordo que há divergências dentro da Irmandade, mas acredito também que as convergências sejam bem maiores. Explico: antes de começarem a discutir entre si é necessário tomar e estabelecer o poder, juntamente com a Sharia. Só no final das contas, quando o objetivo maior for alcançado é que eles deverão parar para colocar suas divergências sobre uma balança.

Nunca podemos esquecer que Mohamed Morsi, presidente do Egito e membro da Irmandade, foi quem disse que "judeus são descendentes de porcos e macacos". Esta é a tolerância da entidade? É assim que um governo democrático lida com as diferenças?

Para finalizar meu longo texto, reitero que Lima utilizou a palavra "moderados" para se referir a membros da Irmandade que, segundo ele, foram afastados das decisões. Acho importante dizer que, em se tratando de Irmandade Muçulmana, não consigo imaginar alguma membro que seja realmente "moderado". Ora, o Dr Wagdi Ghoneim, personagem de grande influência no Conselho de Relações Islâmico-Americanas, já chegou a dizer que, caso houvesse oposição por parte dos coptas, eles "seriam varridos da face da terra".

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